Ronaldo era um menino alegre e arteiro, estava
sempre correndo aqui e ali, sem camisa, com suas bermudas quase sempre rasgadas
e chinelos amarelos. Morava em uma chácara com os pais, num bom terreno em
Santo Antônio da Patrulha. Era uma casa simples, toda branca, janelas pintadas
de cinza e apenas três cômodos. Gostava
muito do cheiro do campo, do carrinho que costumava passear com seu pai - onde
quase não cabia mais - em dias de sol. Nos dias que cansava de andar no gramado
perto das laranjeiras, gostava de correr numa trilha de pedras que havia
construído com muito esforço. Talvez por isso fosse tão magro, estava sempre
procurando algo para fazer e esquecia-se de voltar no horário das refeições.
Seu pai, Dionízio, tinha problema nas
pernas e por isso achava ótimo que seu filho aproveitasse aquilo que ele não
tinha mais condições de fazer. As pernas tortas e o problema na coluna o faziam
mancar. Após alguns anos correndo atrás de mulheres comprometidas acabou levando
uma surra, de um dos maridos traídos, deixando seu estado de mal a pior. Em casa, seu filho e a mulher Flavialine
conheciam outra história. Uma história triste, mas digna. Dizia o Dionízio,
para aqueles que perguntavam que seu problema originou-se de uma pescaria onde
foi puxado para dentro do riacho e a queda lhe causou essa maré de azar. Pobre
homem! – Exclamava Flavialine todas as vezes que escutava o marido a contar a mesma
história triste, sem notar que o pior cego é aquele que não quer ver. Ela, mãe
de primeira viagem e super protetora, geralmente preocupava-se além da conta
com as saídas de Ronaldo, afinal poderia cair, ser picado por algum animal
peçonhento, perder-se... E, além disso, nunca se alimentava direito. Ela sempre
dizia: Meu coração, comer é o melhor para poder crescer! Seu menino de ouro,
porém, nunca dava atenção a sua boa mãe e comia apenas migalhas ao voltar para
casa.
Certo dia algo terrível aconteceu.
Ronaldo estava desatento, pensativo e pegou a barca para atravessar o riacho. O
mesmo riacho em que supostamente seu pai havia quebrado algumas vértebras e
feito a coluna cair. Pensava em como seria bom ter amigos, visitar lugares
diferentes, estudar, ficar inteligente como os homens que compravam os produtos
da Chácara. Foi então que, com o olhar parado e distante, não se deu conta que
havia uma madeira solta na barquinha e bateu em umas pedras onde estava mais
raso, resbalando e caindo com a face nesta madeira. Teve alguns machucados
leves nos joelhos, mas seus olhos foram atingidos e ele não via mais nada. De
longe, vinha sua mãe, voltando com uma cesta de batatas recém-colhidas. Ouviu os
gritos desesperados de seu filho e pôs-se a correr desajeitada. Socorreu-o,
chamou médico, limpou os ferimentos e estancou o sangue. Não podia fazer mais
nada, só esperar pelo médico. Ele demorou e Ronaldo nunca mais viu o mundo, que
era tão colorido.
Desde então, começou a fazer tudo o que
a mãe mandava, passou a escutar muito bem, estudar Braile, dormir mais, comer
mais como pedia sua mãe e escutar mais música. Sua vida era ouvir os elogios da
mãe, ouvir o barulho das chinelas do pai, ouvir, ouvir e ouvir.
O que mais ouvia era que a comida é o
melhor para poder crescer. Então comia. Comeu tanto que cresceu, mas como não
enxergava sua forma achava que estava muito bem, sua mãe sempre o fazia pensar que
era assim: lindo, forte e saudável. Agora mesmo é que não poderia ir para a
escola, não tinha ideia de como seria falar com outra criança, mas já estava
acostumado a escutar o rádio para se distrair. Uma vez o locutor disse que
comemos com os olhos, então quem sabe comendo com as mãos ficaria saciado mais
rápido? Passou a comer com as mãos, dispensando os talheres. Algo lhe dizia que
não era normal comer tanto, mas sua mãe afirmava o contrário. Então continuou a
comer. Nunca estava satisfeito, mas a barriga doía. Não entendia por quê. Antes,
quando passava os dias correndo, a barriga também doía sem ter comida dentro. A
vida foi passando e ele não via. Ele não via a comida. Não via a barriga que
crescia. Sua mãe, porém via, mas preferia-o por perto, já que Dionízio sumira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário