domingo, 25 de janeiro de 2015

"A MADRUGADA" (CONTO PREMIADO - VIII CLIPP/2014)

Era a terceira vez que a menina conferia o horário no relógio. Não gostava dele, mas não saber o horário provavelmente não ajudaria a dormir. O fato é que ainda não decidira entre tirá-lo da parede ou jogá-lo pela janela. “Qual seria a reação da pessoa que recebesse uma relojada na cabeça lá embaixo?”, imaginou a cena, considerando que, na melhor das hipóteses, ele faria um barulhão, pois não era “qualquer” relógio. Media por volta de 25 cm de diâmetro, feito de madeira e em formato de Uroboro. Ela refletia: Será que no além existe relógio? Quem morre usando relógio de pulso continua com a imagem dele em si. Mas deve ser só a imagem. É certo que ele não continua marcando o tempo, pois o tempo em outra dimensão é diferente. Tinha certeza que passava um trilhão de vezes mais rápido.
Droga, só de pensar nas possibilidades de existência de um simples relógio o ponteiro já havia andado quase meia hora a mais do seu possível sono.   “Ei, espera aí! O relógio e o clips foram as invensões mais preciosas e úteis que já tivemos! Sem marcar as coisas, minha memória seria pior ainda!”, disse para si. Realmente, Lis marcava todas as suas melhores lembranças com clips coloridos. Não tinha o hábito de marcar compromissos com clips na agenda; para isso existia a agenda do celular. O passado é que a preocupava, pois era difícil lembrar-se dos cheiros, do toque, das roupas, dos lugares comuns, das palavras ditas... O problema é que se lembrava somente dos traumas. Era por isso que seus olhos não dormiam. Seriam mais visões desagradáveis, mais sofrimento, mais saudade. Nessas horas sempre havia alguém querendo conversar. Estranhos de quem não podia falar. “Nem pense nisso, Lis Maria, não acreditariam em ti!”, repreende-se a menina magrela de 12 anos, que já estava com sua cabeleira crespa parecendo com a de uma bruxa, de tanto revirar-se na cama.
O friozinho aumentava e a dormência a invadia. Uma mão está sobre suas costas. Lis manda a entidade embora: “Não quero falar agora, vai embora!”, no entanto, após alguns segundos ela é chacoalhada. Vira-se num pulo, com os olhos arregalados no escuro. Ouve o barulho da árvore balançando do lado de fora da janela, o vulto se mescla ao movimento dos galhos. Espreme-se no canto da parede e, neste momento, consegue enxergar melhor. Era sua mãe. Enfim chegara o dia que prometera voltar, contemplar a filha e contar como era do outro lado, mas a menina havia esquecido a língua dos surdos e não entendia os gestos de sua mãe. Sua memória falhara em mais um detalhe. Percebeu que não adiantava viver sem passado. Queria conhecer o relógio de Deus, queria dormir tranquila. De tanto querer, o seu ponteiro parou marcando quatro horas.

Para sua surpresa, no lugar para onde sua mãe a levou ninguém dormia. Não havia agenda, clips, relógio, cobertor, comida, rádio, televisão e nem celular! “Ai que tédio! Eu quero voltar!”